Proposta para concurso público de arquitetura desenvolvida em conjunto com Rulian Nociti e Danilo Zamboni.
O projeto em arquitetura sempre representa um desafio, uma responsabilidade perante os clientes e a sociedade. No caso do Memorial às Vitimas da Kiss, há um senso extra de desafio e responsabilidade na nossa atuação. Não somente como local de memória e homenagem aos que se foram no triste 27 de Janeiro de 2013, porém, principalmente, como alívio e esperança aos que ficaram. Foi com este sentimento que propomos uma intervenção simples e marcante para transformar este endereço para a vida.
Ao se aproximar do conjunto, percebe-se a separação em duas partes do terreno da tragédia por marcante muro de concreto ciclópico. Com presença forte e determinante, um quase divisor entre o construído e o vazio na ocupação do lote, também é acolhedor na sua implantação em diagonal ao abrir-se à rua dos Andradas como convite ao visitante.
Aproximando-se do muro, podemos perceber seu aspecto rústico e a sensação de inacabado devido a sua formação por diversos materiais diferentes amalgamados ao concreto. Construído com elementos demolidos da Boate Kiss, encontramos tijolos, massas e pedras da tragédia utilizados para construir o novo, abrigar os programas que remetem à vida, que remetem ao futuro.
Na face externa do muro localiza-se uma placa contendo os nomes das 242 vítimas fatais do incêndio, direcionando o ponto de atenção para qualquer pessoa que deseje prestar sua homenagem. Este marco será em vidro serigrafado, instalado sobreposto ao muro; uma presença delicada perante à intensidade que o muro representa.
A simplicidade e a força do prédio em conjunto com o vazio inicial da praça convergem ao final do lote onde o jardim vertical frondoso e significante acolhem e equilibram o espaço. Em destaque, uma grande árvore se eleva desse jardim como marco vivo para os 636 sobreviventes e dá sentido ao novo momento de superação e esperança.
Para adentrar o edifício é preciso atravessar uma grande abertura no muro de concreto e pedras. A construção é muito simples e austera; utiliza paredes de concreto liso e piso cimentado, assim como na área externa. No andar inferior dispomos dos programas públicos: loja para locação e auditório com capacidade para 150 pessoas.
Através de escada e elevador acessamos o pavimento superior, onde dois espaços descobertos marcam presença. De um lado, a varanda seca, recolhida, que tem olhar controlado para a rua e é local ideal para meditação, introspecção e recolhimento. Do outro lado, a exuberante vegetação do jardim das salas da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e a sala multiuso tornam o local ideal para proposição de atividades educativas e culturais, o local do encontro, da produção, da vida. Nestes ambientes foram utilizados vidro e estrutura metálica leve e clara, contrastando com o constante muro de concreto ciclópico.
Por último, a sala do Memorial faz com que, novamente, o visitante atravesse o grande muro de concreto e pedras. A sala, de volumetria destacada do conjunto, em estrutura de concreto e revestida em chapa de aço externamente, é um espaço longo que pode ser utilizado para exposições temporárias ou permanentes sobre o incêndio e suas vítimas. Na parede oposta à entrada, no final da sala, um rasgo na laje de cobertura deixa adentrar luz natural sobre um pedaço de escombro da Boate Kiss. Peça esta de mesma constituição dos fragmentos da construção fundidos no muro que, quando vista de maneira isolada, convida o visitante a apreciá-la com outros olhos e a mudar seu significado. Este pedaço da ruína que abrigou a maior tragédia do Rio Grande do Sul, representante dos que ali partiram, se feriram e de todos os familiares e amigos que compartilharam este evento único, será transformado em elemento estruturador da nova construção projetada para o local. Construção que não esquece o terrível passado mas que busca o conforto e o futuro para Santa Maria.
Local: Santa Maria – RS
Ano: 2018
Área: 557,30 m²
Arquitetura: Beatriz Marques e Nilton Suenaga
Paisagismo: Rulian Nociti | LAND N CITI
Ilustração: Danilo Zamboni | daniloz